15 de jan. de 2011

o Senhor das fechaduras


Abaixada eu pegava as migalhas do chão. Aquilo não era nem de longe o suficiente, mas já havia me acostumado, estranhamente me contentava com as sobras. Aquele tempo todo vivendo de resto me impedia de desejar algo mais. Eu preferia não arriscar o pouco que tinha ao tentar e descobrir que eu realmente não merecia mais do que o mínimo. De tanto bater de porta em porta já conhecia exatamente o que cada uma delas iria me oferecer, mesmo sabendo que algumas me dariam o podre, estragado, eu aceitava, pois pra mim aquilo era um disfarce passageiro, por uma pequena fração de tempo aquilo iria me satisfazer. Dentro de mim, escondido e sufocado, estava meu desejo de me sentir completa. Desejava provar a mim mesma que merecia mais do que aquilo. Porém as tentativas frustradas fizeram minha esperança escorrer por entre os dedos e o meu sorriso se apagar. O que eu realmente queria é que uma daquelas portas ao se abrir me oferecesse algo a mais. A verdade é que todo aquele lixo do qual eu me entupia diariamente, ainda que me proporcionasse uma gota de alegria, estava me fazendo mal, eu estava doente. Estava faminta e vazia, a dor era tão grande que desejei morrer, queria que meu fôlego de vida fosse cortado naquele instante, pra mim não fazia mais sentido viver. Naquele momento de desespero alguém bateu à porta, mas eu não conseguia ir até lá, estava debilitada, as consequências das minhas escolhas me fizeram chegar àquele estado. Conforme minhas forças se esgotavam, batiam mais forte na porta, e mais forte, e a frequência das batidas aumentava. Então ouvi uma voz que chamava meu nome. Fiquei com medo, assustada, mas decidi ir até lá, ver quem batia daquele jeito, quem me chamava com tanta pressa. Completamente sem forças, me arrastei até a porta e ao abri-lá me deparei com alguém que trazia água e alimento, ele entrou e comeu comigo. Senti  vergonha da minha situação, mas ele me olhava com olhos de misericórdia e amor, eu podia ver a alegria que ele sentia em estar ali. Não sabia o que dizer, estava constrangida diante daquele gesto, os olhos marejados, não conseguia pensar em outra coisa, somente que eu estaria morta se ele não tivesse aparecido. O engraçado é que ele não perguntou nada, apenas me olhava com tamanha profundidade que acredito eu, conseguia ver a minha alma.
- Você me conhece?
- Sim. Há muito tempo.
- E porque não veio antes?
- Eu estive aqui todos os dias, mas você estava ocupada batendo em outras portas. Mas hoje eu finalmente te encontrei em casa.
- Mas você não estava em nenhuma das portas que eu bati...
- Eu estava aqui o tempo todo, só lhe restava abrir a porta e me deixar entrar.

[Eis que estou à porta e bato, se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele, comigo].
Apocalipse 3.20.

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